O legado capixaba de alçar cafés especiais muito acima do pódio
por Thais Fernandes
em 22/05/2025 às 4h58
28 min de leitura

Foto: divulgação / Semana Internacional do café
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Os pulos que os produtores capixabas davam a cada conquista em concursos na Semana Internacional do Café 2024 eram literalmente altos. Mas também simbólicos. Símbolo do alcance que esse Estado vem tendo no café especial após uma construção que começou há, pelo menos, uma década. “Olha, foi um salto imenso. Quando eu cheguei aqui em 2013 e 2014, a gente chegou meio acanhado vendo essa grandeza e buscando o espaço que queríamos no mercado de café”, relembrou Afonso Lacerda que, ao lado da esposa Altilina Lacerda, e de todo um grupo formado por amigos e familiares do Caparaó, já se tornou velho conhecido do pódio do Coffee Of The Year.
A família Lacerda, que foi pioneira no concurso que venceu por duas vezes e está entre os 10 melhores do país por vários anos, precisou desbravar a feira antes disso. “Na primeira vez que viemos eu não conhecia ninguém e ficamos aqui meio perdidos começando a dar os os. Em 2015 me lembro que foi a primeira vez que participei do COY e falei: vou ganhar esse prêmio ainda. Voltei, trabalhei em 2016 e eu saí daqui campeão. Foi uma benção muito grande pra mim”, revelou ele, que também ficou em primeiro lugar em 2018.

A emoção explodiu na comemoração pelo pódio consistente no Coffee Of The Year (COY 2024), na categoria canéfora, durante a Semana Internacional do Café (SIC), com o nosso conilon capixaba. O Espírito Santo conquistou o 1º, 2º 3º e 5º lugares. Cooperados da Cafesul dominaram a competição. Foto: divulgação / Semana Internacional do Café
Em 2024, a família, que produz no Sítio Forquilha do Rio, em Dores do Rio Preto (ES), Região do Caparaó, levou o 4º lugar do COY. Mas Afonso conquistou mais do que isso. Hoje, o produtor anda pela feira com a confiança de quem está em casa. “Depois de 10 anos que eu venho participando, a gente vê que o legado que a gente deixou foi interessante, porque tem muitos produtores aqui. No ado, você chegava aqui e tinha um ou outro produtor. Era mais para as empresas de vendas de produtos. Hoje, a SIC se transformou em uma feira de produtor, você vê eles aqui buscando seu espaço. Fico satisfeito de ter participado, com mais um grupo de uns 50 produtores que se esforçaram para isso”, destaca.
O esforço também valeu a pena para diversos outros produtores que participam dessa e outras feiras há anos. É o caso de Luciano Pimenta, de Afonso Cláudio, nas Montanhas do Espírito Santo. Do Sítio Liberdade, onde cultiva arábica, ele já levou seus cafés para a SIC e participa do evento há sete anos. Na feira, o agricultor vê o potencial dos contatos e de se apresentar para o mundo e ainda conhecer muitos vendedores e produtores.
Porém, para Pimenta, esses anos de participação ativa dos produtores capixabas têm um poder maior do que as conquistas individuais. “Acredito que a contribuição é deixar um exemplo de que o café especial compensa, e produzir de forma sustentável e rentável”, apontou.
A trajetória desses agricultores mostra que, para chegar onde estão, foi preciso um trabalho e organização maior e prévio aos eventos. E, para isso, eles contam com importantes apoios institucionais. “Antes mesmo da SIC, são realizadas ações para preparar os produtores para a feira. Uma delas, por exemplo, foi executada no Caparaó. Em parceria com a Associação de Produtores de Cafés Especiais do Caparaó (Apec)”, explicou Jhenifer Soares, analista do Sebrae/ES. As atividades nessa e em outras localidades incluíram treinamentos de comunicação, como ‘speechs’, onde os agricultores são orientados a contar suas histórias e trabalho a outros elos da cadeia do café.
O Sebrae, inclusive, aproveita sua capilaridade no Estado para movimentar e apoiar grupos de produtores com transporte para as feiras e outras formas de viabilizar o treinamento e a participação deles em eventos.
Mas em um Estado que soma cerca de 7.500 propriedades que produzem o alimento em quase 70% das propriedades rurais, é preciso um trabalho junto a instituições públicas e privadas. “Sobretudo, como é uma atividade feita em pequenas propriedades, não interessa pra nós capixabas, produzir produtos não diferenciados. Já que os volumes são reduzidos, precisamos ganhar valor mais do que ganhar escala, então acredito que nós estamos no caminho certo no Espírito Santo, tanto para o arábica quanto para o conilon”, afirma Enio Bergoli, secretário de Estado da Agricultura do Espírito Santo, que esteve na SIC 2024.
E em se tratando de agregação de valor e a exigência dos mercados internacionais em busca de produtos que tenham o cerne na qualidade e na sustentabilidade, o subsecretário de Desenvolvimento Rural do Espírito Santo, Michel Tesch, comenta sobre a opção do Estado em incentivar a sustentabilidade nas propriedades.
“Pelo tamanho do Espírito Santo e da nossa produção, o café é mais importante para nós do que para qualquer outro Estado da federação, então não tem nenhum assunto da cafeicultura mundial que a gente não esteja tratando aqui. Por isso, procuramos auxiliar os produtores em tudo que é possível. Temos trabalhado para conseguir mais produtividade, afinal isso traz um resultado econômico ainda melhor. Temos estimulado os produtores a substituir as lavouras antigas e apostar na renovação com base na tecnologia, com manejo, nutrição e material genético de qualidade. Dessa forma, podemos crescer sem abrir novas áreas”.
Tesch afirma que todo o trabalho desenvolvido na cafeicultura capixaba tem sido impulsionado pela aposta na ciência, que criou uma nova geração de produtores e profissionais do café. “Aquelas propriedades produtoras de café estão vindo para os especiais e como você sai do batidão da commodity, isso atrai o jovem. Então, eles vão estudar e voltam craques de institutos federais como o de Alegre e de Venda Nova do Imigrante, retornam com outra cabeça e verticalizando. Aquilo que antes era produzir saca e vender para o comprador do município, agora é produzir, separar o lote, fazer especial, entrar em concurso, montar uma microtorrefação. Isso muda a dinâmica completamente”, concluiu Michel.
A renovação dos campeões do Coffee Of The Year 2024
Essa relevância da cafeicultura do Estado tem sido honrada em uma espécie de renovação do pódio em concursos como o COY. Em 2024, por exemplo, dois nomes capixabas subiram ao primeiro lugar. Dois produtores dedicados há anos e que se inspiraram em campeões anteriores para, agora, receberem também seus prêmios.
Na categoria arábica, o café campeão foi o do Sítio Campo Azul, do Caparaó, em Divino de São Lourenço, produzido por Paulo Roberto Alves, que chegou a 90.25 pontos. Já na categoria canéfora, o grande vencedor foi o café do Sítio Vista Alegre, em Jerônimo Monteiro, produzido por Antônio Cezar Demartini Landi, com pontuação de 86.42.

Enio Bergoli, (E), secretário de agricultura do Espírito Santo, o Deputado Estadual Dary Pagung e os cafeicultores campeões do COY 2024, Paulo Roberto Alves (arábica) e Antônio Cezar Demartini Landi (canéfora). Foto: divulgação / Semana Internacional do café. Foto: divulgação / Semana Internacional do Café
Os dois títulos são inéditos e, no caso de Paulo Roberto Alves, após seis anos fazendo café especial, essa foi a primeira inscrição no concurso. “Sempre fui produtor, mas ainda fazia o café comum, não conhecia o café especial. Através dos meus meninos, que foram estudar no Instituto Federal, trouxemos isso para a nossa família”, revelou ele sobre o incentivo dos filhos, Tiago e Lucas, formados em cafeicultura e provadores profissionais. Ambos são Q-Graders e degustadores internacionais de cafés especiais.
“Confio neles. Os dois vieram e começaram a falar de qualidade, aí senti vontade de fazer um bom café. Foi muito trabalho no começo, mas deu certo!”, contou Alves.
Agora, o prêmio já incentiva o produtor a sonhar com próximos concursos. “Se Deus quiser, na próxima estaremos juntos de novo, porque foi muito bom”, revela ele, ao lado da esposa Cristiana e dos filhos.
Antônio Cezar Demartini Landi já participava da premiação há alguns anos e teve, agora, seu reconhecimento com o primeiro lugar. “Minha família sempre foi produtora, só que era de arábica, e eu virei para o conilon. Eu sempre participei de várias edições, só uma vez que acho que não ei pra final. Sempre trouxe os cafés para concorrer, acho que desde a primeira vez que teve o concurso com conilon, e em 2024 graças a Deus conseguiu chegar lá”, contou.
Com o anúncio de seu nome como campeão, a emoção tomou conta do agricultor. “Nunca nem tinha subido no pódio, né? Eu não estava esperando, tomei um susto. É uma sensação muito grande, muito bom ter um trabalho reconhecido. Trabalho com conilon de qualidade em uma propriedade muito pequena, então você tem que produzir muito em uma área pequena. E fazer a qualidade, né? Para ter diferencial. E se não fosse esses eventos, a gente não conseguiria mostrar nada”, acredita ele, que produz ao lado da esposa Ana Lúcia e da filha.
Sustentabilidade
E se um prêmio é capaz de mudar a vida de famílias inteiras, o que acontece após esses reconhecimentos também é poderoso. Luiz Cláudio de Souza, do Sítio Grãos de Ouro, em Muqui, no sul do Espírito Santo, já é um destaque na produção de café conilon há anos, e tem inclusive um tricampeonato no COY de canéforas no currículo.
Participando de eventos como a SIC há anos, a família vem unindo o conhecimento prático dos pais ao estudo dos filhos, que são também provadores de café. Em 2024, o resultado foram cafés em 5o, 3o e 2o colocados entre os melhores do Brasil. “Isso é um privilégio muito grande e o coroamento de um trabalho que fazemos com muito carinho”, destacou o cafeicultor.
Mas para ele, sua esposa Dona Neusa, e os filhos Talles e Tássio, a meta agora é mostrar o valor da sustentabilidade. “O que a gente compreende é que não basta a produção ser orgânica, precisa ser boa. E um sistema orgânico proporciona um trabalho em qualidade. É um conjunto de forças. A gente continua trabalhando para não atrapalhar a natureza produzir aquilo que ela sabe”, explica Luiz Cláudio.

Família premiadíssima. Talles da Silva de Souza, cafeicultor que conquistou o 30 lugar na categoria canéfora do COY 2024 é filho do tricampeão da competição Luiz Cláudio de Souza, que este ano conquistou o 50 lugar, e da Neuza Maria da Silva de Souza, vice-campeã de 2024. O nome da propriedade de onde vem esses grãos premiados vem bem a calhar: Sítio Grãos de Ouro. Todos são ligados à Cafesul. Foto: divulgação / Semana Internacional do Café
Com essa consciência, a família já buscou certificar a propriedade como orgânica e incentiva, agora, outros produtores a seguirem esse caminho. O produtor é quase pedagógico na sua explicação. “Isso proporciona um ganho a mais ambiental de sustentabilidade e na promoção da qualidade. A gente trabalha com vida, com a planta que é viva, com o solo que precisa ser vivo e todo um ambiente. E nós também somos seres vivos lá, somos um componente, né? Não sou o dono”, afirmou.
O produtor faz parte da Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul) e revela que o trabalho já traz retornos financeiros. “O resultado desse ano foi um sucesso. Nós já conseguimos uma certificação internacional e tivemos uma exportação de café orgânico, que foi embarcada semana ada para a França. Isso é o trabalho do cooperativismo. Temos uma cooperativa que foca muito na sustentabilidade; temos uma certificação FairTrade. Temos essa movimentação e incentivo”, apontou.
Os cafés que se destacaram estavam também em nome de sua esposa e dos filhos. “Quero destacar a importância da família trabalhando unida. É um conjunto de fatores que a família toda busca para o melhor e a gente trabalha muito aqui. E tem ainda as pessoas que vão à lavoura, grupos de escola, pesquisadores e cientistas. Isso traz uma energia muito positiva que nós canalizamos para a produção. Gosto muito de destacar essas amizades que a gente faz e ajuda a gente a chegar onde estamos. Quem ganha com isso é o café”, afirmou ele.
Não é à toa a proximidade entre pesquisa e o trabalho da família Souza. Um dos filhos de Luiz Cláudio, o Tássio Souza, é um dos coordenadores do Incaper de um programa de sustentabilidade que atua no setor da cafeicultura no Espírito Santo. “Nós olhamos o meio ambiente, a parte social, garantindo ao produtor também uma dignidade econômica. Isso valoriza o café por meio de processos e técnicas que agreguem qualidade dentro da sua produção. Então essa é a essência do programa”, explicou Tássio.
O projeto leva ao produtor toda a informação técnica por meio de extensionistas, que orientam para que ele mantenha o café dentro das bases sustentáveis que o mundo está exigindo, inclusive a própria União Europeia. Outros pontos trabalhados são a viabilidade econômica da atividade, conservação de todo o ambiente, desde o manejo adequado de solo, uso racional de água, além de garantir ao produtor o à saúde, crianças na escola, documentação correta de quem trabalha na propriedade, entre outras.
“Temos um checklist que a gente aplica chamado Currículo de Sustentabilidade, onde levantamos pontos estratégicos a serem alterados nas propriedades para poder melhorar o índice de sustentabilidade, além de ter a nota sensorial do café, que também recebe uma nota de sustentabilidade, levando em consideração esses atributos”.
Esse currículo já foi aplicado inclusive em todos os cafés que foram expostos na SIC deste ano. “Para serem aprovados, eles precisam ter o mínimo de 60 pontos dentro do nosso currículo de sustentabilidade”.
Além do meio ambiente no futuro, a estratégia é agora
A estratégia é parte de um plano de longo prazo para a cafeicultura, mas também para a sociedade como um todo. “Chegamos em um momento que não dá mais pra continuar do jeito que estava. Precisamos ter um desenvolvimento em todos os setores da agricultura que conserve agora, para recuperar nossos solos, trazer de novo a fertilidade natural. E isso usando muita tecnologia para que a gente possa garantir a produção hoje e de futuras gerações que também vão depender dessa cafeicultura que a gente está vivendo”, explicou o extensionista.
A rastreabilidade está aí pra isso. Nunca na história a gente teve que informar tanto pra quem compra café não só o que está chegando, mas o que está por trás desse produto, de toda a sua história. O que está em volta daquele café para se consolidar as oportunidades de direito.
Esse projeto é novo dentro do Espírito Santo. Em apenas oito meses de existência, a SIC foi a primeira feira escolhida para trazer apenas cafés que já atendessem aos critérios do projeto. “Todos os cafés do estande do Estado na SIC estavam dentro da nossa pontuação de sustentabilidade e apresentaram sabores e aromas de todas as regiões do Espírito Santo”, concluiu Tássio.
Novas gerações e educação ampliam as mudanças
Se o estudo das futuras gerações é uma constante em histórias que ouvimos até agora, ela é decisiva também para a família de Oliveira Teodoro da Silva. De Muniz Freire, região do Caparaó, ele e sua esposa, Maria, produzem há décadas, mas foi através das filhas que veio o foco na qualidade.
“A gente sempre trabalha mais para os outros. E agora, com a ajuda dos órgãos como o Sebrae e o Incaper, essa nossa agricultura começou a ter movimento de café especial. As associações com as quais a gente começou a trabalhar também, isso tudo nos fez entrar no café especial para melhorar cada vez mais”, contou ele.
“Gosto sempre de ressaltar o quanto o o à informação e à educação transformou a nossa família na cafeicultura, porque como meu pai disse, ele e minha mãe sempre produziram e a gente sempre bebeu o café que nós produzimos na nossa propriedade, mas o café que bebíamos era aquele que nós achávamos melhor”, contou Raquiele.
“Eu e a minha irmã, graças a Deus e aos nossos pais, tivemos a oportunidade de ir para a universidade, estudar e trazer tecnologia e inovação para a nossa propriedade”, conta Raquiele, que é agrônoma e faz doutorado. Além dela, a irmã é engenheira florestal e atua na área de sistemas agroflorestais.
De início, as filhas enfrentaram resistência por parte dos pais, mas a família agora colhe os frutos por ter decidido mudar. “Com o tempo, o pai e a mãe enxergaram a necessidade de melhorar e buscar inovação para trazer para a nossa propriedade. Pelo fato de sermos pequenos produtores, o que a gente produzia não era suficiente para manter a nossa família. Depois que os meus pais se abriram para receber tecnologia e inovação dentro da nossa pequena propriedade, a gente começou a trabalhar com os cafés especiais”, relembra.
Ao lado da filha, Raquiele Martins da Silva, o produtor expôs sua bebida para os visitantes da feira, mostrando ao vivo o fruto do trabalho e investimento. “Para mim foi muito gratificante estar na SIC. Fiquei com muito orgulho pelo fato de as pessoas chegarem ali e saberem que esse café foi feito por nós, por meu pai, minha mãe e minha irmã”, declarou.
Essa satisfação vem também da marca própria de café torrado da família, que já completa um ano de existência. “Com base em todo o nosso trabalho e, principalmente, na vontade de levar o nosso café para outras pessoas, surgiu o Mãos de Ouro. A gente acredita que, se hoje os nossos pais conseguem fazer um produto de excelência, é porque eles têm mãos preciosas que cuidam de todo o processo, do cultivo da lavoura, do cuidado com os grãos, ando pelo meio ambiente, até chegar ao consumidor”, destacou Raquiele.
O café que traz de volta ao campo
Criado em meio aos pés de café desde os oito anos de idade, Hélio Moreno vem se destacando como um dos nomes no café. E é também um exemplo de como o legado do café especial capixaba vem trazendo de volta pessoas que já viveram do campo e haviam migrado.
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“Um dos meus sonhos sempre foi voltar para a roça. Casei com a Rosane, que é professora e também filha de produtor. Ela se aposentou agora e também já está comigo no café”, explicou ele, que vive e produz com a esposa em Ibatiba, no Caparaó.
A retomada foi em 2017 e em 2020 a família já começou a focar nos cafés especiais. E, em 2024, a família teve quatro cafés classificados em concursos na SIC, incluindo o Florada Premiada, no COY e entre os 10 melhores do Estado.
Hoje, eles fazem parte da Apec e veem como crucial as iniciativas de outras instituições, como o Senar, o Sebrae, a prefeitura, o Incaper e a Caparaó Júnior. “É um trabalho em conjunto. Tivemos essa curiosidade de trabalhar os cafés especiais e cada dia vamos nos apaixonando mais”, afirma.
É nesse trabalho que confia a própria superintendente do Senar-ES, Letícia Simões. “A cafeicultura capixaba está construindo um legado de inovação, sustentabilidade e qualidade, fruto direto do trabalho incansável de nossos produtores rurais. “Os prêmios conquistados na SIC nos últimos anos — muitos deles alcançados por produtores atendidos pela Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) — reafirmam a excelência do Espírito Santo e consolidam o Estado como uma referência de qualidade para o Brasil e o mundo. Estamos provando que podemos ser os melhores no que fazemos, um reconhecimento que vem de quem realmente entende de café’, declarou.
E nessa trajetória até os prêmios, Moreno e a família relembram a importância de também ver outros agricultores se destacando. “A gente veio da inspiração lá do Café Cordilheiras, que deu uma força danada para a gente e que foi campeão ano ado [do COY]. Temos orgulho de vê-los aí também e saber que isso deu uma inspiração e, hoje, já vem outros procurar a gente para saber sobre os processos. Tivemos tudo através de ajuda, então hoje a gente a isso para outros produtores também”, explicou ele.
Para Rosane o sentimento é o mesmo. “Sempre nos inspiramos no pessoal da região porque o Espírito Santo já estava bombando nessa parte de café especiais. Me aposentei e fui sonhando com ele também porque as minhas origens vêm dos meus pais, que eram agricultores. E o coração sempre me leva de volta para lá, para os ensinamentos que lembro muito dele falar”, comentou ela.
“Eu espero poder inspirar outras mulheres também, que veem como eu e o Hélio trabalhamos como casal, um ao lado do outro. Ele não está na minha frente, está ao meu lado. E isso também vai deixar um legado para elas. É uma coisa mágica trabalhar assim e voltar para a terra nos faz felizes”, conclui a professora e agricultora.
Pró-Conilon
Do lado do café conilon, também houve retornos e muitos caminhos que levaram igualmente à busca pela qualidade. Luís Carlos da Silva Gomes é um exemplo de pioneirismo neste sentido. Da propriedade chamada São Bento, localizada no município de Santa Teresa, nas Montanhas Capixabas, vem os cafés que já estiveram entre os 10 melhores do estado.
“Eu comecei na verdade a plantar e a trabalhar com café em 1999, mas já tínhamos uma história com ele porque a família da minha esposa é centenária e já mexia com o cultivo. No início, com arábica, e com o ar do tempo e com as mudanças climáticas, o conilon também acabou chegando nessa propriedade que trabalhamos hoje”, explica ele.
Essa história mais recente da família do Luís Carlos já acumula 40 anos. “Hoje estamos colhendo os frutos que plantamos, literalmente, há tanto tempo. Entre eles, o de ter acreditado, por exemplo, na qualidade do conilon, que durante muito tempo foi considerada uma variedade que não trazia qualidade. A partir dos anos 2000 começamos a trabalhar o café canéfora e a dispensar os mesmos cuidados que eram dispensados ao arábica.
Neste momento ainda muito pioneiro de manejo visando à qualidade no conilon, Luís Carlos explica que uma das ações era selecionar plantas diferentes, e que se aproximavam em termos estruturais de fruto ao arábica, que tinham uma maturação mais uniforme para facilitar a colheita. Desde aquela época já tínhamos essa visão de que em algum momento o consumidor, ou seja, a indústria, ia querer um café com peneiras mais altas e de qualidade”.
“E agora, não só a nossa propriedade, mas o Brasil está colhendo os frutos do que a gente começou lá atrás. Apesar disso, a gente ainda tem resistências. As pessoas ainda não acreditam muito na qualidade de conilon. Não sei se por ignorância ou se por preconceito”, questiona-se.
O mesmo questionamento trouxe de volta ao campo Kissia Campo Dalorto. Formada em Arquitetura e Urbanismo, ela foi mais uma agricultora a retornar para as suas origens. “Em 2014, eu voltei a morar na propriedade, em Linhares. E é muito engraçado que a conexão que a gente tem com a agricultura, com a família na agricultura é muito forte. A minha sensação é como se eu nunca tivesse saído de lá”, pontua ela.
Depois de 10 anos fora de casa, Kissia percebeu que a agricultura e, em especial o café, ainda eram centrais em sua vida. Agora, talvez, dividindo um pouco de espaço com a Arquitetura, mas nunca saindo de cena totalmente. “Os primeiros cinco anos foram muito intensos nesse processo de divisão familiar, mas lá em 2018, 2019 eu olhei pro meu pai e falei assim: a gente vai dividir a propriedade, mas nada disso nos interessa”, disse ela, se referindo a manejos que não davam prioridade à qualidade na época.
“Café é comida, é alimento. Tudo bem que fazíamos commodity, mas isso não é certo. E ele me disse: mas conilon não dá bebida. E eu respondi: não é estranho que nosso Estado dá 10 milhões de sacas de uma coisa que não sobra nenhuma e mesmo assim estão te dizendo que não dá ‘bebida’? E olhei no olho do meu pai e vi uma chave virar dentro da cabeça imediatamente”, lembra ela.
Na busca por entender mais a matéria-prima com a qual lidava, em 2019 a produtora visitou a família Venturim, referência em produção de café canéfora de qualidade e cada vez mais se convenceu de que era possível melhorar o trabalho na sua propriedade também.
“A internet foi muito incrível, porque eu ei muito tempo remando meio sozinha e descobri que tem gente que fazia isso há 10 anos. Só que as pessoas ainda estavam muito desconectadas no Norte do Estado. E em 2020, veio a pandemia e nós só tínhamos a internet e todo mundo ou a ver todo mundo”, contou.
Dali em diante, ela ou a conectar muitos elos diferentes. Encontrou o projeto da prefeitura chamado Linhares Coffee, que reunia cinco produtores, e se uniu a eles. Construiu um terreiro na propriedade da família e, em 2021, lançou seu primeiro café natural, e foi até o Incaper fazer curso de avaliação sensorial. “Eu tinha um norte, desde que comecei a observar qualidade no conilon, tinha certeza que queria trabalhar com isso. O curso do Incaper foi a agulha da bússola, e eu entendi o que era o atributo do conilon de qualidade, o que de fato se julga e se avalia para entender o café que eu estava fazendo”, diz.
A partir da experiência e estudos, ela ou a incentivar mais e mais produtores a inclusive criarem o hábito de tomar e entender do próprio café. “É algo incrível como os produtores geralmente gostam muito de servir aquilo que produzem, mas não tomam, porque a gente a vida inteira foi condicionado a uma produção de commodity”.
Com o tempo e inspirações como a própria Apec, Kissia e outros agricultores criaram a Pro-Conilon, associação de produtores de café conilon especial. Hoje, eles somam mais de 20 produtores em sete municípios diferentes: Rio Bananal, Linhares, Nova Venécia, Jaguaré, Sooretama, Fundão e Vila Valério.
“Coletivamente a gente consegue ir um pouquinho mais longe. E como todos são pequenos produtores com produções artesanais, a gente consegue ter um volume de cafés, de terroirs, de aromas interessantes para apresentar para o público”, destaca ela.
Parece muito? Mas Kissia decidiu dar mais um o quando, em 2023, adquiriu uma torrefação de cafés em Linhares. O espaço, que fica dentro da fazenda da produtora, torra os cafés da família e já abriu para fazer perfis de outros produtores.
O objetivo é que, além de torrefação, também seja uma lojinha, para ser um ponto de fácil o às pessoas que querem encontrar os cafés da região. “A gente quer ser esse lugar de conexão de café, somos centrais ali, dar protagonismo para os produtores e deixar dinheiro na mesa também”, declarou.
O que a produtora já está colocando em prática colabora para ampliar as possibilidades de ganho no mercado de café. Principalmente quando ele se encontra com outro setor: o turismo.

Foto: Wenderson Araujo / Sistema CNA-Senar
Coletivo: do campo aos campeonatos de barista
Assim como a produtora de conilon, um outro nome de destaque na cadeia do café também acredita em dar os a mais para trazer protagonismo ao produtor, seja com turismo, seja com o barismo.
Thiago Douro, cuja família já é conhecida no mercado e que, neste ano teve o único café capixaba a ficar entre os cinco melhores no Cup of Excellence, na categoria descascado, via úmida, explica a importância das premiações. “Na região e no país os concursos acabam dando visibilidade para você vender um café melhor. E quando vários produtores da região participam, isso acaba motivando também. Mas é muito dia a dia, com as relações”.
Para Douro, as participações são um investimento e um posicionamento da própria região cafeeira. “A gente precisa estar sempre participando, sendo visto para sermos lembrados”, destaca.
Mas para produtores que já vêm trabalhando a qualidade do café há anos, uma inquietação a mais vem tomando conta. Como ampliar esse legado? “O que eu vejo que tem trazido as pessoas de volta é o relacionamento que a gente cria com o tempo”, diz.
E para estender esse relacionamento entre produtores e compradores, Douro acredita em traçar uma estratégia maior. “Em 2024, ainda eu queria que um rapaz do Espírito Santo competisse no campeonato nacional de barista. Tinha que ter algum barista do Espírito Santo competindo e eu falei: eu te arrumo o melhor café que eu tenho para você competir, para termos esse destaque da região. Tem muita gente capacitada lá, gente que torra, que prova, barista, mas às vezes a pessoa não tem aquele incentivo”, reflete o jovem produtor.
Para ele, dar esse apoio a outras pontas da cadeia do café é uma forma de se posicionar e ter mais estratégia, inclusive para levar o nome do café capixaba mais longe. “Nos campeonatos de barista às vezes você cede um café pra alguém participar e outros já provam também. E tudo é a forma como você vê. Você pode estar cedendo um café agora para depois arrumar um cliente lá na frente. E penso muito em ter cafés do Espírito Santo. Penso no coletivo”, afirma.
A família dos Douro, inclusive, já esteve em competições como a Copa Barista, que aconteceu no São Paulo Coffee Festival, quando foi doado pelo produtor para a barista Elis Bambil, que competiu e levou a bebida até o segundo lugar do pódio em 2024.
Nesse tipo de evento, o produtor espera que mais consumidores descubram a qualidade do café capixaba e, por que não, o potencial e a beleza das regiões produtoras como um todo. “Tem muito para as pessoas conhecerem nas Montanhas do Espírito Santo. É muito bonito, um dos lugares mais preservados do Brasil. Já recebemos muitos turistas, mas pode ser muito melhor explorado”, defende.

Foto: Wenderson Araujo / Sistema CNA-Senar
Cooperativismo e coletivo como potência
Um dos principais órgãos nesse setor, o Sistema OCB/ES também tem um papel importante na cafeicultura do Estado. “O café é um dos principais setores do cooperativismo capixaba e, por isso, atuamos firmemente para auxiliar no seu processo de constante evolução. Todo esse trabalho gera benefícios que fazem a diferença no presente, impactando a vida de milhares de produtores capixabas, mas também cria um terreno fértil para o desenvolvimento da cafeicultura e para a diversificação dos produtos provenientes desses grãos”, afirma Carlos André Santos de Oliveira, diretor-executivo do Sistema OCB/ES.
Enquanto trabalho coletivo, importantes cooperativas fazem parte do crescimento do setor para o Estado. “A Nater Coop vê o café do Espírito Santo como um protagonista em qualidade e produtividade. Com forte atuação no arábica e conilon, apoiamos os produtores com insumos, compra de produção e exportação para mais de 40 países. Além disso, temos a industrialização, posicionando o Café com nossa marca Pronova como um dos mais vendidos na Amazon, levando o sabor capixaba a todo o Brasil. Essa evolução reflete o trabalho conjunto entre produtores e nossa cooperativa, promovendo inovação e excelência”, declarou Giliarde Cardoso, executivo estratégico de Agro Mercado da Nater Coop.
Também com trabalhos junto aos produtores capixabas, a Coocafé acredita que mais do que nunca será preciso trabalhar a sustentabilidade nos pilares social, econômico e ambiental. “A presença na SIC foi marcante porque foi o primeiro ponto de encontro para os cafeicultores chegarem, e em segundo lugar, pela visibilidade no mercado interno e externo. E além de negócios, acompanhamos tecnologias para melhorar ainda mais nossos negócios”, comenta Fernando Cerqueira, diretor-presidente da Coocafé.
Já a Cooabriel utilizou seu espaço na SIC para uma ação que simboliza a união com outra cooperativa, a Minasul. “Já somos cooperativas parcerias e dentro da SIC decidimos juntar as duas também. E fizemos um blend, do canário, da Minasul, com o conilon fermentado que foi campeão do concurso do Cooabriel e trouxemos para a Semana Internacional do Café para entender o que o consumidor está achando deste café. Com isso, pensamos em lançar futuramente um café em parceria das duas cooperativas, com o que há de melhor do arábica e do conilon no Brasil”, afirmou Carolina Monteiro, gerente de marketing da Cooabriel sobre a ação que simboliza bem o papel que o Espírito Santo vem tendo de fortalecimento comunitário.
É esse potencial coletivo que o secretário de Estado da Agricultura do Espírito Santo, Enio Bergoli, acredita que deve ser utilizado a favor do Estado. “A qualidade junto com esse diferencial de sustentabilidade é o que vai nos garantir o futuro de prosperidade com a nossa cafeicultura”, acredita o secretário.
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Belo Horizonte_MG, 22 de Novembro de 2024 cafe_editora_sic 2024 Fotos dos estandes, palestras e participantes da semana internacional do cafe que acontece no pavilhao do expominas. Imagem: Gustavo Baxter / NITRO
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Belo Horizonte_MG, 22 de Novembro de 2024 cafe_editora_sic 2024 Fotos dos estandes, palestras e participantes da semana internacional do cafe que acontece no pavilhao do expominas. Imagem: Marcus Desimoni / NITRO
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